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Escrito por CARLOS CESAR PEFF NOVAES | |
29-Sep-2008 | |
Sim, ando muito preocupado com os rumos que o evangelicalismo brasileiro tem tomado, muito especialmente no que se refere à postura política. A linha que deveria separar interesses religiosos de interesses políticos torna-se cada vez mais tênue, os políticos estão ficando mais ousados no uso do discurso religioso e os pastores mais dissimulados quanto aos verdadeiros objetivos de seus projetos de poder. O princípio de separação entre Igreja e Estado, defendido pelos batistas desde as suas origens, é uma constante advertência contra dois perigos: a) a imposição de uma igreja oficial ou nacional, impedindo o exercício da liberdade religiosa; b) a alienação dos crentes, quando se omitem de atuar como elemento profético para denunciar os descaminhos de um governo. Em outras palavras: se a separação entre Igreja e Estado garante a existência de um estado laico, impedindo que este exerça poder sobre a sociedade através do discurso religioso, também evita que a igreja seja tutelada pelo poder estatal, cerceando sua liberdade para denunciar os erros dos governantes e fazendo dela um instrumento de chancela divina para arbitrariedades e desmandos. Justo Anderson enumera cinco pontos que descrevem o sentido do princípio de separação entre Igreja e Estado: – trata-se de separação na ordem pública e legal, embora não signifique separação absoluta nas ordens morais e espirituais; – exige que o Estado respeite todas as igrejas igualmente, evitando discriminações e favorecimentos a algumas em detrimento de outras; – não permite a cobrança de impostos eclesiásticos, nem o uso de impostos públicos para o sustento das igrejas; – não permite a instrução religiosa nos colégios públicos sob o direcionamento de uma determinada corrente eclesiástica, nem o uso do ensino público para promover proselitismo religioso; – tem por finalidade principal a preservação do bem-estar das igrejas e do Estado. O que vemos hoje, entretanto, é um desprezo inconseqüente desse princípio tão caro aos seus defensores de outrora. Tudo indica que não perdemos apenas a capacidade de compreender o presente para preparar o futuro. Perdemos a visão do passado e da importância do legado recebido. Lamentavelmente. Na verdade, tragicamente. O teólogo Oscar Cullmann sugere aos cristãos que, no firme exercício das suas responsabilidades como cidadãos, orem pelos governantes, oponham-se à anarquia, sejam fiéis no pagamento dos impostos para propiciar ao Estado organizado as condições necessárias para a sua subsistência e atuem como consciência das autoridades, assumindo uma postura crítica para revelar excessos, apontar injustiças, ainda que apoiadas por leis, e rejeitar interferências arbitrárias que cerceiem os direitos civis. Diz Cullmann ainda que o Estado não tem obrigação de professar uma fé cristã, mas deve reconhecer seus limites no ato de governar, corrigir rotas que firam a dignidade do ser humano e respeitar valores éticos na busca do bem comum da sociedade e do povo. Nos escritos paulinos, o governo estatal é determinado por Deus para manter a paz e a ordem e, enquanto trabalha para preservar esses objetivos, deve ser respeitado e obedecido (Rm 13.1). Por outro lado, Paulo entende que o Estado pode também ser vítima dos poderes malignos invisíveis que atuam por trás dele, impedindo os governantes de compreenderem e cumprirem os desígnios de Deus (1Co 2.8): uma vez identificado com os valores do reino de Deus, o Estado reflete a vontade divina; quando apartado desses valores, o Estado passa a exigir o que pertence a Deus e reflete valores contrários à vontade divina. Diante dessa face ambígua das autoridades governamentais, o apóstolo sugere que, não sendo o poder do Estado absoluto e final, convém aos cristãos assumirem uma atitude crítica que os deixe livres para, à luz de determinadas circunstâncias, defender a existência do Estado e, ao mesmo tempo, prescindir do mesmo se for necessário (1Co 6.1). O fato é que pertencemos a dois reinos. Em primeiro lugar, somos responsáveis pela manutenção da ordem governamental e do direito dos cidadãos na sociedade em que estamos. Entretanto, não perdemos de vista o nosso compromisso com o reino de Deus e seus valores. Somos cidadãos de dois reinos, sim. Mas nunca servos de dois senhores.
CARLOS CESAR PEFF NOVAES - Pastor da IB de Barão da Taquara, Rio de Janeiro (RJ) - http://carlosnovaes.blogspot.com
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