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Escrito por MARCELO QUIRINO | |
23-Mar-2009 | |
Primeiro passo: saber ouvir O ouvir é uma habilidade rara, ainda mais ouvir o outro integralmente e com empatia. Geralmente, quando se encontra alguém que aparentemente ouve pode-se ter na realidade alguém que apenas fica em silêncio enquanto o outro fala e que, seletivamente, presta atenção na fala imbuído de preconceitos e censuras ao outro. Ouvir uma ovelha é saber que ali há um corpo que fala além das palavras pronunciadas. Ouvir uma ovelha é saber que há um outro diferente de nós e não apenas similar pelos valores cristãos. Ouvir uma ovelha é saber que, apesar de convertida, esta é uma pessoa com conflitos interiores típicos do ser humano. É imprescindível saber que enquanto a ovelha fala os nossos pensamentos de censura e repreensão também falam. Não dê ouvidos a eles. Neste primeiro momento é necessário se ater apenas à fala da ovelha. Um outro ser que certamente falará com você neste momento é o Espírito Santo de Deus. Seu agir é imprevisível no sentido da direção que ele deseja dar para aquela pessoa. Ofereça um clima de escuta sem censura, mas com empatia, liberdade de fala, aceitação total e interesse em entender. Escutar é uma ciência e possui princípios que devem ser seguidos para que haja eficiência e eficácia no processo de escuta do AP. Ouça, ouça muito. Dê um feedback de que está ouvindo, compreendendo e entendendo independente de estar concordando ou não com as atitudes relatadas. Não ofereça um ambiente de censura e repreensão na primeira etapa da escuta. Adote uma atenção flutuante, que é a capacidade de ouvir tudo sem selecionar, focar ou concentrar em partes da fala para análise paralela na mente enquanto se escuta o outro. Esta atenção flutuante é a capacidade de oferecer escuta a toda a fala sem se focar numa parte dela para análise ou reflexão. Às vezes o pastor ouve com seletividade e pensa ao mesmo tempo. Isto é prejudicial. Os estudos de teorias sobre a personalidade e sobre a psicologia aumentam a capacidade de o conselheiro ouvir. Quanto mais conhecimento ele tiver sobre como é o funcionamento psicodinâmico do ser humano, maior será a capacidade de se ouvir na totalidade as inúmeras partes da psique: a fala consciente, a fala inconsciente, a fala dos sintomas e a fala do corpo. Quando se entende que a mente é um misto de carne com espírito se entende que na ovelha coexiste uma força que a impele a fazer algo e, ao mesmo tempo, uma outra que a impede de fazer este algo. Como Paulo disse: “pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, este pratico” (Romanos 7.19). Perguntas podem ser realizadas para a escuta se aprimorar. Porém, que sejam perguntas que esclareçam a fala da ovelha. Intervenções curtas para esclarecimentos não devem ser realizadas no momento em que a fala representa um desabafo ou uma catarse emocional - onde não deve acontecer interrupção de fluxo. Para ouvir com empatia coloque-se no lugar da ovelha. Ela tem o direito de sentir raiva, impulsos violentos e agressivos. Afinal, Deus fez esta pessoa desta forma. O problema é o que este indivíduo faz com estes impulsos e como os controla. Por isto, demonstre uma escuta acolhedora e sem repreensão. Não censure pensamentos pecaminosos de pronto. Aborde o tema com cuidado e pelas “beiradas”. Estes pensamentos pecaminosos podem ser resultado de um aprendizado de vida traumático na infância, um aprendizado emocional, um aprendizado oriundo dos pais e de como resolver problemas. Aumente a capacidade de a ovelha olhar para si mesma - seus sentimentos, expressões e comportamentos. Além disso, ajude-a a demonstrar suas expressões, sentimentos e emoções. Por exemplo: “percebo que esta ansiedade atrapalha em muito sua capacidade de trabalhar de forma calma”, ou “noto que o fato de seu marido não te ouvir causa em você uma raiva muito grande que você não expressa”. Espelhe e resuma a fala para mostrar que a entendeu e para checar se entendeu. Este resumo e espelhamento da fala da ovelha oferecem a possibilidade de demonstrar que ela está sendo acolhida e respeitada em sua individualidade pelo simples fato de estar sendo ouvida com atenção. Bíblia e oração no aconselhamento Após a escuta integral da problemática principal da ovelha ofereça questionamentos. Estes questionamentos permitem pensar sobre o momento que a pessoa que busca o aconselhamento está vivendo. Ao invés de oferecer o conselho indague sobre o melhor caminho com base na Bíblia. Estimule a pessoa a encontrar a própria solução para sua questão. A oração pode ser realizada no meio do processo de AP, antes dos questionamentos e depois da fala inicial da ovelha. Orem e depois dêem prosseguimento ao processo. Muitas vezes uma oração durante o AP pode possibilitar ao Espírito o momento que ele precisa para, com a ajuda do pastor, realizar sua função (João 14.26). O conselheiro também deve oferecer versículos e fatos bíblicos, mas deve respeitar a liberdade de escolha da pessoa aconselhada. Em casos mais graves é aceita uma atitude mais diretiva e aconselhadora. Em outros, o questionamento resguarda a individualidade e oferece a possibilidade de esclarecimentos e de reflexão, de tomada de consciência da própria vida. Controle os impulsos de dar sermões e apresentar histórias e explanações bíblicas vagas neste momento, pois a ovelha quase sempre não ouvirá. Por isto, ajudar a pensar na sua angústia e a elaborar esta angústia biblicamente é o foco do aconselhamento. Pregação x aconselhamento Muitos APs são ineficazes porque os pastores confundem a função do púlpito com a do gabinete pastoral. A função do púlpito é a de expor uma verdade bíblica e a do gabinete é a de contrapor a angústia pessoal com a Bíblia. A exposição da Bíblia não é um momento proibido, mas deve acontecer em momentos nos quais a capacidade de a ovelha ouvir foi restabelecida. O pastor deve estar sensível para isto. Há momentos em que a ovelha não ouve, só fala, pois o nível de angústia é grande. Ofereça momentos de esclarecimento da fala da ovelha. Em alguns momentos a própria situação de vida da ovelha está confusa para ela. Faça perguntas como: “O que você acha que isto quer dizer?” ou “você pode pensar melhor nessa situação para buscar entender o que está acontecendo?”. Muitas vezes a angústia vem da incapacidade de a ovelha entender o que acontece com ela, com seu corpo e com sua família. Estimular o esclarecimento é muito útil na medida em que coloca a ovelha para buscar o entendimento de sua problemática. Sugestões e caminhos podem ser sugeridos, mas não impostos. Antes de oferecer uma sugestão estimule o esclarecimento da sua situação de vida. Apenas descrever o que acontece é uma boa técnica para pensar sobre a própria problemática. A técnica de esclarecimento difere da de reflexão na medida em que aquela tem o intuito de descrever o que se passa nos detalhes, já a reflexão busca os porquês e os para ques. O uso das duas deve ser concomitante e, com a experiência de AP, se consegue discernir entre o momento de usar cada uma delas. Já a técnica de confrontação tem o objetivo de corrigir a fala da ovelha e de trazer à consciência de forma mais clara algum comportamento inadequado e não-cristão. Por exemplo, a ovelha diz: “Eu apenas reajo às ignorâncias de meu marido” e o pastor pode dizer “vamos ser sinceros, você responde com ignorância também a ignorância dele, não é verdade?”. Isto deve ser feito em momento certo, após o vínculo e a confiança entre os dois se estabeleceram. Oferecer confrontação logo de início sem ouvir os desabafos é um grave erro que compromete a capacidade de a ovelha falar. Junto desta técnica pode ser empregada a técnica do silêncio, que comunica à ovelha: “Pense nisto agora”. A técnica do silêncio pode ser usada em diversos momentos, como no de confrontação e no momento em que a ovelha estiver precisando elaborar por si mesma a dor que sente. Em alguns momentos este silêncio do pastor em momentos de pranto pode demonstrar que a ovelha tem que aprender a lidar e a elaborar esta dor, pois nem sempre poderá contar com um braço para ajudá-la. Nos momentos de pranto, silêncio e palavras confortantes podem coexistir. Enfim, o pastor não deve reduzir o AP à prática de conselhos, sugestões de decisões e à pregação de sermões. Entretanto, o ouvir e o apenas ouvir é uma técnica muito poderosa e importante. Em alguns momentos o ouvir deve ser praticado de forma integral. O pastor deve saber discernir quando a ovelha quer uma sugestão bíblica e quando quer apenas desabafar e ser ajudado a pensar. Este ouvir não deve ser estéril. É um ouvir que visa oferecer a diminuição da angústia, que visa esclarecer questões espirituais da ovelha e que visa também a realização de encaminhamentos profissionais e sugestões bíblicas. Ovelhas que tem um bom nível de amadurecimento (autonomia de decisões e autocontrole das emoções) apenas precisam desabafar e serem ajudados a pensar. Raramente elas precisam de conselhos diretos e frequentes. Outras ovelhas precisam de sugestões mais simples e diretas. Entretanto, deve-se ter consciência de que o fornecimento frequente de conselhos pode produzir um círculo vicioso que se torna fonte de dependência psicológica. Limites do aconselhamento A atividade de AP deve e pode se estender além da prática de aconselhamento, mas sempre se distanciando das práticas de Psicoterapia e Psicologia, que são funções por lei privativas de psicólogos. Um bom princípio a se observar quanto a isto é não estender demais o numero de sessões de AP com uma ovelha e evitar escarafunchar traumas e relações primitivas com os pais na infância. Isto pode criar situações vexatórias para o pastor que não goza da chamada distancia epistêmica com a ovelha, pois convive com ela no dia a dia. Além disto, poderia desencadear problemas psicológicos e sociais maiores na ovelha. Por isto é importante diferenciar Consulta Psicoterápica de AP. O aconselhamento deve ter um foco mais diretivo e no aqui-agora, não se detendo tanto nos porquês da infância e na aplicação de técnicas psicoterápicas. Vale lembrar que a Psicologia é prerrogativa de psicólogos e o desempenho irregular da função é crime. Na dúvida basta saber que atividade de AP se situa ao redor da escuta ativa e empática e do aconselhamento bíblico. Para encerrar vale ressaltar a história que envolve um doutor e um estudante de medicina. O estudante pergunta: “Doutor se é tão simples retirar um apêndice, por que 7 anos numa faculdade para aprender medicina?” Na sua sabedoria e experiência o médico responde: “Filho, retirar um apêndice é fácil, posso te ensinar isto em 10 minutos. O que vai levar 7 anos é aprender o que fazer quando algo der errado”.
MARCELO QUIRINO Psicólogo e membro da PIB do Guarani, em São João de Meriti (RJ) Site do Autor: www.marceloquirino.com EXTRAÍDO DE: www.ojornalbatista.com.br |