sexta-feira, 1 de maio de 2009

Aprendendo com as fichas



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Escrito por JOSIMAR DE ASSIS ROQUE JÚNIOR
16-Apr-2009

Dentre as pessoas com quem tenho a oportunidade de me relacionar cotidianamente algumas me chamam, de vez em quando, de “tradicional”. Geralmente duvido de suas reais intenções, pois creio que, na verdade, o adjetivo que procuram é antiquado.

Por isto quero confessar uma coisa que pode escandalizar minha família, igreja, amigos e demais pastores. Sou daqueles - supondo que existam mais - que durante a leitura de um livro destaca e sublinha os pensamentos e frases que podem ser usados depois como citações e embasamentos para pregações e que, após a leitura, as transcreve à mão e, pasmem, com caneta esferográfica em fichas pautadas, organizado-as por assuntos e guardando-as numa caixinha - essa sim super tradicional - de estrutura de metal e tampa de acrílico. Tudo isto pode parecer realmente antiquado para a nossa modernidade, mas, se pudesse, datilografaria este trabalho para não ficar à mercê dos garranchos da caligrafia.

De fato ainda não consegui trocar o prazer de manusear e sentir o cheio suave e umedecido das folhas de papel pela leitura fria e desconfortável dos e-books. Na última semana, em especial, após realizar a transcrição de mais um livro lido, chamou-me a atenção a organização aleatória e espontânea que este tipo de disciplina oferece. É bastante óbvio que não dá para construir nenhum tipo de teologia sistemática sobre o que vou falar agora, nem apoiar nenhuma pregação expositiva a partir das subjeções que vou apresentar. Porém, observando a ordem e aleatoriedade dos assuntos das fichas aprendi que alegria vem unida a adoração, e isto não é muito difícil de perceber, principalmente se a nossa vida está integralmente dedicada a esta última para receber aquela. Logo depois disto, quanto amor.

Sete fichas traziam as mais variadas expressões literárias sobre o amor. Sete “perfeitas” lembranças carregadas do que Deus pode fazer através da sua sabedoria, coisa que ainda parece distante deste início. Porém, na seqüência encontro ansiedade, principalmente quando me esqueço que o amor é dádiva, e não direito.

Caminhando um pouco mais há outras sete abundantes lembranças sobre comunidade, precedidas apenas por uma sobre comunicação, como se aquela não dependesse da presença ativa desta que, a cada dia, está mais difícil e distante da vida, renegada quase ao final do fichário por não querer se aproximar voluntariamente da comunhão. Alegrou-me ver “muitos” Deus, mas não tanto encontrar pouquíssimo diálogo, o que naturalmente desemboca em alguma dificuldade, e nos mantêm ainda distantes da igreja. E por falar em igreja, se não houver identidade, antes, e igualdade, depois, nela a vida espiritual (cristã), mesmo que tenha uma marcante presença - dez ao todo -, perderá cada vez mais sua força.

Entre relacionamentos e responsabilidade temos religião. Uma pena porque elas antecedem salvação, mas por se posicionarem sempre atrás da paixão, não deixam que a já distante benção realize seu papel entre nós. Admirei-me quando descobri que à tradição segue-se traição, e à tentação segue-se teologia, finalizando os assuntos com a letra T em tristeza, que por imensa me fez retornar para lágrimas. Às lágrimas segue-se imediatamente lei e legalismo, não porque choro não preceda recompensa, mas porque graça é pouco citada e contrasta com sofrimento, neste caso bem mais abundante.

Porém, precisei refletir sobre minha vocação quando percebi que depois de sermão vem silêncio. Pobre das nossas ovelhas. Se ministério pastoral fosse mais próximo de vontade de Deus, eu poderia, pelo menos, usar a única humildade que encontrei.

Mas Deus usa de sua misericórdia bem junto a ministério pastoral e, ao final deste pequeno passeio entre as minhas fichas, fiquei feliz porque bem no centro, entre tantos assuntos e informações, encontrei Jesus Cristo, que ocupa soberano a letra J, e é assim que sempre deve ser. Por isso, o que começou em adoração deveria realmente acabar com vontade de Deus e, mesmo já citadas, não o foram com a lembrança que de que são intermediadas pela fé, como a certeza das coisas que não se veem.

Que Deus nos abençoe, nos ensine a cada dia muito mais do que esta excursão por fichas pautadas e cheias de citações pode fazer, e nos perdoe por nossa loucura, logo depois de livre arbítrio.


JOSIMAR DE ASSIS ROQUE JÚNIOR

Pastor da Igreja Batista Central de Rio Claro (SP)

josimaribc@gmail.com


EXTRAÍDO DE: www.ojornalbatista.com.br

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