sexta-feira, 1 de maio de 2009

Descer da cruz os crucificados



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Escrito por ALONSO GONÇALVES
16-Apr-2009

Em abril comemoramos a Páscoa, a maior festa cristã. Só entristeço-me em ver que o Natal continua sendo a data mais propagada e falada. É uma pena, porque o cristianismo não vive do nascimento de Jesus, mas sim de sua ressurreição. A base da nossa fé, o sentido da nossa esperança está na ressurreição. Embora o Novo Testamento apresente diversos relatos sobre a ressurreição de Jesus - os Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) interpretam a ressurreição de uma maneira diferente da do apóstolo Paulo, este desconhece o túmulo vazio e as aparições relatadas pelos Evangelhos, para ele a manifestação do Ressuscitado foi espiritual e revelacional para algumas testemunhas (1 Coríntios 15) - o fato é que a ressurreição de Jesus deu fôlego aos discípulos e dá fôlego à Igreja hoje.

Em que a ressurreição de Jesus tem contribuído para a visão da Igreja? Nós a reduzimos à conquista da salvação, algo que já estava determinado por Deus. O evento da morte e da ressurreição é a coroação dos planos de Deus para Jesus, seu filho. A teologia calvinista vai mais além e afirma que a morte-ressurreição foi limitada apenas para os eleitos e predestinados. Daí a teologia do sacrifício expiatório. Jesus morreu para recompensar a justiça divina. O filho nada mais é do que uma oblação ao pai.

A teologia bíblica nos mostrou outro quadro de Jesus. Não aquele pintado pelos concílios recheados de filosofia grega. Entretanto, um Jesus que foi vítima de sua própria mensagem: o Reino de Deus. É difícil, como atesta Rudolf Bultmann, tentar adivinhar a consciência messiânica de Jesus, se ele se via ou não como enviado predestinado de Deus, como o Messias esperado. O fato é que Jesus iniciou seu ministério anunciando o Reino de Deus, e não a si mesmo. Ele foi vítima de um sistema religioso que combinava poder, dinheiro e sagrado. Por não concordar com a maneira que o povo era tratado pelo poder religioso instituído ele ousou bater de frente e acabou com seus dias contados com o incidente do templo, no qual revirou mesas e expulsou cambistas. Vítima de seu discurso, ele foi torturado, maltratado e crucificado. Entretanto, ressuscitou.

A ressurreição de Jesus é uma ponte de esperança. Assim como ele enfrentou os opositores do reino, hoje enfrentamos também. O poder econômico que marginaliza todos os dias centenas de pessoas, principalmente em tempos de crise, quando os grandes executivos de multinacionais têm seus fundos preservados, enquanto os trabalhadores pagam com o desemprego as bobagens que são feitas no universo capitalista. A política feita no país de forma desavergonhada com favorecimento de obras e castelos medievais no interior de Minas Gerais. A violência que ceifa todos os dias vidas de adolescentes e jovens. A impotência do cidadão para mudar a maneira abusiva em que são cobrados os impostos, constatando ainda a ineficiência do Estado para sanar as necessidades básicas da população como transporte, educação, saúde, estradas, infra-estruturas e segurança. Diante disto, a ressurreição de Jesus é uma saída, uma luz no fim do túnel.

A Bíblia é bem clara quanto à predileção de Deus para com os fracos, pobres e marginalizados da sociedade. Jesus foi vítima de sua mensagem, o Reino de Deus, mas Deus ressuscitou um crucificado. Com isto, Deus não somente expressa seu poder sobre a morte, mas também sobre a injustiça e a marginalidade. A ressurreição é o aval divino para a mensagem de Jesus. Nos mostra ainda que a esperança não morreu com o crucificado, mas ela ressuscitou com o ressuscitado, o que dá esperança para os crucificados de hoje.

Esta aí a tarefa da Igreja. Como lugar-presença do Ressuscitado, a Igreja é a manifestação real desta cristologia. A ela é dada a tarefa de denunciar os valores contrários ao Reino de Deus, do discurso egoísta, do charlatanismo religioso vigente e da desumanização. Cabe à Igreja a tarefa de presenciar a misericórdia de Deus e o amor de Jesus para com o que sofre, de proporcionar meios de convivência e de comunhão na comunidade de fé e, principalmente, atualizar a mensagem do Reino de Deus e, assim como Jesus Cristo, descer da cruz os crucificados de hoje.

ALONSO GONÇALVES

Pastor da Igreja Batista Memorial em Iporanga (SP)

pralgoncalves@yahoo.com.br


EXTRAÍDO DE: www.ojornalbatita.com.br

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