sexta-feira, 1 de maio de 2009

Um dia qualquer



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Escrito por daniel
15-Apr-2009

Mais uma Páscoa em Jerusalém. A festa não é mais a mesma. Mercantilizou-se. Se Moisés estivesse vivo, certamente daria um fim a este escandaloso comércio de comida, animais e outros bichos em que se transformou a mais tradicional festa de nosso calendário religioso. Só se pensa em dinheiro, só se fala em dinheiro, só se age por dinheiro. No templo, os cambistas fazem o que querem, profanando de forma escancarada a casa do senhor. Aquilo lá se transformou num covil de salteadores.

Existem os mais de sete mil que não dobraram os joelhos a Mamom, porém este avassalador movimento de compra e venda não deixa muita margem para a celebração da verdadeira festa da nossa libertação. O melhor mesmo é nem ir ao templo. Em casa dá para ter uma Páscoa mais autêntica, já que a oficial está totalmente desmoralizada. A maioria dos que participam querem a festa pela festa, sem o mínimo interesse em saber de seu sentido espiritual.

As coisas seguem seu curso e a mesmice de sempre resulta num pesado cansaço emocional e moral. Tudo parece velho e passado. Até mesmo a presença dos soldados romanos, com seus belos uniformes, seus escudos de ferro, seus cavalos de pedigree e sua arrogância de donos do mundo, já não desperta a curiosidade de ninguém, especialmente dos moradores da cidade. A opressão banalizou-se. Aceitamos tudo passivamente. Parece que estamos ainda no Egito. A triste verdade é que existe entre os judeus um grande conformismo, calcado na idéia de que se temos o que comer e onde morar, tudo mais é aceitável, inclusive a ausência de liberdade. Nossa liderança política e religiosa é fraca e corrupta. Na realidade, é fraca porque é corrupta. Nada se pode esperar dela.

Uma outra coisa recorrente entre nós, e que também causa uma certa exaustão de espírito, é o surgimento, não se sabe como, nem de onde, dos libertadores de ocasião. Em Israel sempre aparece um aventureiro qualquer querendo ser o novo Moisés ou o novo Josué. A história de nossa nação está cheia deles. Geralmente acabam na masmorra ou no madeiro. Alguns tentam variar no estilo: em lugar de Moisés, Davi. Circula pela cidade a informação de que prenderam um certo Nazareno, oriundo da Galiléia, e cuja estratégia política seria a de aproveitar a Páscoa para declarar-se o novo rei de Israel, o restaurador da monarquia davídica, o Messias prometido pelos profetas.

Dizem que este indivíduo é dotado de superpoderes, sendo até mesmo capaz de ressuscitar mortos. Trata-se, sem dúvida, de uma propaganda poderosa, mas também de propaganda enganosa. Seria bom vê-lo ressuscitando a si mesmo. Talvez aí desse para acreditar nele. Os políticos fazem qualquer coisa para conquistar o poder. Prometem céus e terra para chegar lá. Quando chegam, fazem exatamente o contrário do que prometeram. São capazes de matar e morrer para alcançar seus objetivos. Na realidade, o Messias virá, mas sua ação libertadora será muito diferente da de um político convencional. Ele cuidará dos pobres, dos doentes, dos marginalizados. Ele, sim, ressuscitará os mortos, libertará os cativos e dará vista aos aos cegos. Humilhará até o chão os poderosos. Fará novamente de Israel uma nação sacerdotal que leve até aos pontos mais remotos da terra a luz da verdade divina. Seu reino não terá fim, como profetizou Isaías.

Do jeito que as coisas estão, nem toda a agitação da Páscoa fará com que esta sexta-feira deixe de ser um dia qualquer. É certo que nunca tivemos por aqui uma tempestade súbita tão violenta como a de hoje à tarde, mas ela, felizmente, durou pouco e não causou maiores problemas. Preciso ir a Jericó para resolver a compra daquele terreno, mas acho melhor deixar para uma hora mais oportuna. Não há como circular normalmente pelas estradas junto com estas enormes, sujas e barulhentas caravanas de peregrinos. Já vão tarde. Na verdade, é bom quando Jerusalém volta à sua rotina.

Mesmo que essa rotina inclua a execução de falsos profetas como este messias galileu. Eles o matam fora dos muros da cidade e dentro de três dias ninguém mais fala sobre o assunto. Se ainda não o executaram, isso se deve a alguma razão política relevante. Os romanos não dão ponto sem nó. Ainda mais quando aliados a essa lamentável casta sacerdotal que se assenta na cadeira de Moisés. A esperança dos israelitas fiéis é que um dia o Messias autêntico venha para dar um fim a tudo isso. Enquanto isso, temos que engolir essa contrafação cerimonial em que se transformou a Páscoa do Senhor.

Acho que este ano as ervas estão mais amargas e o cordeiro está mais triste.

MACÉIAS NUNES
Pastor da IB do Leme e membro do Conselho Editorial de OJB


EXTRAÍDO DE: www.ojornalbatista.com.br

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